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LĂĄzaro Ramos e Mariene de Castro moram no Rio de Janeiro |
Muitos caminhos levam artistas baianos ao Rio de Janeiro, onde, alÊm da carreira, tambÊm criam relaçþes afetivas com a cidade, que completa 450 anos de fundação no próximo domingo. No final da dÊcada de 1930, Dorival Caymmi foi um dos que pegaram um Ita no Norte e, depois do vaivÊm das ondas do navio a vapor, apaixonou-se por Copacabana.
"Ele gostava muito do bairro e era uma figura fĂĄcil, sempre andando a pĂŠ, passeando. Ficava na janela e as pessoas passavam sĂł para vĂŞ-lo acenar", conta Danilo Caymmi, o filho mais novo do compositor que captou como poucos a aura do bairro famoso pela vida boĂŞmia, bares e boates dos anos dourados.
Atualmente, alÊm da música Såbado em Copacabana, a relação de Caymmi com o bairro tambÊm estå imortalizada por uma pequena rua em Copa e uma eståtua no posto 6, junto à colônia de pescadores.
"Com a Bahia no pensamento, ele gostava muito de frequentar a colônia de pescadores. Estå claro nas cançþes a vida do pescador, o cotidiano, como o mar estå, se vai virar", completa o tambÊm músico.
No caso do escritor Antônio Torres, a relação com a cidade maravilhosa começou a se estabelecer por meio das ondas da Era do Rådio, muito antes de lå desembarcar em 1968.
"A imagem do Rio foi feita muito pela música, desde que apareceu no sertão onde eu nasci um serviço de alto-falante tocando Orlando Silva. Isso criava uma comoção", lembra o baiano, que, depois de idas e vindas entre Rio e São Paulo, subiu a serra fluminense e hoje mora em Petrópolis.
"Naquela ĂŠpoca, um primo meu fez um programa de calouros e fiquei desmoralizado perante a famĂlia ao cantar uma marcha sobre um carioca que nĂŁo tinha onde morar e por isso preferia ter nascido um caracol para poder levar a sua casa nas costas sem ter de pagar aluguel. A mĂşsica terminava assim: 'Morava um dia aqui o outro acolĂĄ, Leblon, Copacabana, Madureira ou IrajĂĄ'", cantarola.
O Rio de Janeiro inspirou o imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL) a escrever quatro livros: O Centro das Nossas Desatençþes, Meu Querido Canibal, O Nobre Sequestrador e Um TĂĄxi para Viena d' Ăustria.
"Os melhores escritores e mĂşsicos que escreveram sobre Paris nĂŁo eram parisienses. O Rio lembra muito isso, foi muito cantado pelos que vieram de fora", compara Torres.
Ă primeira vista
Mesmo tendo vivido um caso de "amor à primeira vista" com a paisagem em 1957, Evandro Teixeira pensou em abandonar a cidade nos três primeiros dias após sua mudança.
"Estava acostumado com a Bahia, 'cidade pequena', com bonde. O barulho era tão imenso que me dava uma dor de cabeça, um nervoso. Eu só dizia 'vou voltar'", lembra o fotojornalista premiado, que jå explorou a beleza da cidade de cima a baixo.
"No Rio, para qualquer lugar que o olhar vira, a câmera tem uma vista plĂĄstica maravilhosa. Ă um cartĂŁo postal em qualquer local. A feira de SĂŁo CristĂłvĂŁo me marca muito, mas a coisa que eu mais adoro ĂŠ quando volto de viagens e o aviĂŁo faz um sobrevoo pela BaĂa de Guanabara que chega a dar ĂĄgua nos olhos".
Chapada e samba
Para a cantora Mariene de Castro, radicada na capital carioca hĂĄ trĂŞs anos, a cidade remete Ă infância vivida em AndaraĂ, na Chapada Diamantina.
"Tenho uma afinidade com o mar muito grande, isso aproxima o Rio da Bahia tambÊm. Mas uma coisa que me impressiona muito Ê que venho da Chapada Diamantina. O Rio Ê a Chapada Diamantina com a cidade dentro, isso faz um link com a memória afetiva da minha infância, uma cidade cheia de morros e prÊdios".
Uma das coisas que mais impressionaram Mariene na vivência carioca foram os shows que fez no bairro de Madureira, para cerca de 15 mil pessoas. "Era um público completamente entregue. Madureira parece muito com Salvador. Não Ê à toa que Arlindo (Cruz, sambista) tem uma relação tão forte comigo. Ele vem daquele lugar, que tem muito axÊ e terreiros".
O ator Låzaro Ramos Ê outro que destaca as belezas da cidade acolhedora para alÊm dos cartþes postais. "Quando a gente consegue se aprofundar mais em todas as suas regiþes, a gente descobre ouros, como Madureira. à o berço do samba carioca e atÊ hoje tem vårios projetos e açþes que tentam manter vivo esse samba de raiz e que se espalha por outras e outras comunidades".
Capital cultural
O antropĂłlogo Raul Lody destaca que o Rio de Janeiro foi durante muito tempo capital cultural do PaĂs, onde existia um ambiente favorĂĄvel a todas as artes.
"Era onde as coisas aconteciam, com toda a efervescĂŞncia de veĂculos de comunicação, rĂĄdio e gravadoras, o que foi fundamental para a mĂşsica popular, e depois a televisĂŁo. E, evidentemente, havia uma busca de mercado num contexto bem diverso do de hoje, em que a internet tem uma dinâmica totalmente diversa", afirma.
No caso da relação artĂstico- -cultural entre baianos e o Rio, Lody prefere ver a questĂŁo mais como um movimento de fluxo e refluxo, citando expressĂŁo de Pierre Verger.
"Ă uma troca muito intensa, que tem vĂĄrios canais. Ao mesmo tempo que o Rio tinha esse contexto midiĂĄtico, a Bahia ĂŠ um celeiro de temas, de motivos, de produção cultural forte, identitĂĄria, nas artes, festas, comida e samba de roda. Ao sair da Bahia para o Rio de Janeiro leva-se, alĂŠm de talento, essa bagagem, essa experiĂŞncia cultural que ĂŠ muito rica. Mas ao mesmo tempo, isso nĂŁo acontece sĂł com o Rio de Janeiro, mas com o PaĂs inteiro", defende o carioca.
*Atarde
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